sábado, 6 de abril de 2013

Cântico das Palavras

(Foto: Joana)


Eis-me

Eis-me
Tendo-me despido de todos os meus mantos
Tendo-me separado de adivinhos mágicos e deuses
Para ficar sozinha ante o silêncio
Ante o silêncio e o esplendor da tua face

Mas tu és de todos os ausentes o ausente
Nem o teu ombro me apoia nem a tua mão me toca
O meu coração desce as escadas do tempo em que não moras
E o teu encontro
São planícies e planícies de silêncio

Escura é a noite
Escura e transparente
Mas o teu rosto está para além do tempo opaco
E eu não habito os jardins do teu silêncio
Porque tu és de todos os ausentes o ausente


Sophia de Mello Breyner Andresen, Livro Sexto (1962

(Poetisa portuguesa do século XX (1919-2004), de origem dinamarquesa do lado paterno, nasceu no Porto, que nunca abandonou. Casada com Francisco de Sousa Tavares, foi mãe, poetisa, contista... Recebeu vários prémios literários, homenagens e reconhecimento. Apaixonada pela vida, dedicou grande parte das suas palavras ao Mar).

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