O poeta tem olhos de
água para reflectirem todas as cores do mundo,
e as formas e as
proporções exactas,
mesmo das coisas que
os sábios desconhecem.
Em seu olhar estão
as distâncias sem mistério que há entre as estrelas,
e estão as estrelas
luzindo na penumbra dos bairros da miséria,
com as silhuetas
escuras dos meninos vadios esguedelhados ao vento.
Em seu olhar estão
as neves eternas dos Himalaias vencidos
e as rugas maceradas
das mães que perderam os filhos na luta entre as pátrias
e o movimento
ululante das cidades marítimas onde se falam todas as línguas da terra
e o gesto desolado
dos homens que voltam ao lar com as mãos vazias e calejadas
e a luz do deserto
incandescente e trémula, e os gestos dos pólos, brancos, brancos,
e a sombra das pálpebras
sobre o rosto das noivas que não noivaram
e os tesouros dos
oceanos desvendados maravilhando com contos-de-fada à hora da infância
e os trapos negros
das mulheres dos pescadores esvoaçando como bandeiras aflitas
e correndo pela
costa de mãos jogadas pró mar amaldiçoando a tempestade:
- todas as cores,
todas as formas do mundo se agitam e gritam nos olhos do poeta.
Do seu olhar, que é
um farol erguido no alto de um promontório,
sai uma estrela
voando nas trevas
tocando de esperança
o coração dos homens de todas as latitudes.
E os dias claros,
inundados de vida, perdem o brilho nos olhos do poeta
que escreve poemas
de revolta com tinta de sol na noite de angústia que pesa no mundo.
Manuel da Fonseca, Poemas
completos
(1911-1993 - Poeta, escritor neo-realista, fez parte do Novo Cancioneiro, Presidente da Sociedade Portuguesa dos Ecritores).
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