sábado, 9 de janeiro de 2016

Misticismo e linguagem





(Ostad Mahmoud Farschian)

Se seguirmos os místicos até às últimas fases do que escreveram, não vamos acentuar a linguagem, mas sim o seu silêncio. O apelo à inefabilidade, que vem depois de tantos esforços para traduzir, não é, pelo menos para os mais puros de entre eles, ênfase ou preguiça. Iria parecer-lhes vão , e mesmo uma mentira, exprimir através de formas de representação o que os arrancou a qualquer forma de representação, por modalidades submetidas à consciência o que os libertou do olhar de si sobre si”.
Jean Baruzi
“Pois se a ciência se exprime através de frases para guiar, a ciência do além não precisa de frases”.
Louis Massignon

A meditação é uma prática muito antiga e não está ligada a nenhuma religião em particular. Pelo contrário, em cada crença é aconselhada a meditação para se atingir um determinado tipo de conhecimento que não é o livresco. É o conhecimento directo. Muitos foram os que atingiram este estado e que são conhecidos como místicos. Levando-nos a falar de misticismo e místicos. O que são?

Antes de darmos a definição no dicionário, eis alguns exemplos: Santa Teresinha, S. João da Cruz, S. Francisco de Assis, entre muitos outros e apenas entre os cristãos.

Definição:
Misticismo – 1)Crença ou prática filosófica ou religiosa que admite a possibilidade de união íntima do homem com o divino ou a divindade através da contemplação, que pode ir até ao êxtase; 2) Disposição psíquica dos que procuram esta união; 3) Tendência para crer no sobrenatural; 4) (Filos.) Crença ou doutrina filosófica fundada essencialmente no sentimento, na intuição, pondo de lado a razão, a racionalidade; 5) grande devoção religiosa, vida contemplativa.

Místico – o que professa o misticismo
(Definições no Dicionário da Língua Portuguesa da Academia de Ciências de Lisboa)

Este conhecimento directo obtido através destes estados extáticos chega-nos através da única linguagem que conhecemos: a palavra. Como escreve S. João da Cruz “Dicen que El alma se entra dentro da si, y otras veces, que sube sobre si; por este languaje no sabre yo aclarar nada” (Diz-se que a alma entra dentro de si mesma e outras vezes que se eleva acima de si mesma; com uma linguagem assim nunca saberei explicar nada). Esta é uma das razões por que há relativamente poucos escritos deixados pelos grandes místicos que passaram pela Terra.

Muitos são os livros que lemos e tomamos como guias, ou, igualmente, muitos são as pessoas que ouvimos e tomamos como guias, mas uns e outros apenas podem ser como bússolas orientadoras. A razão?

-       Alguns porque escreveram ou disseram quando ainda não consumaram a realização pessoal. Entenda-se realização como a tomada do castelo fortificado que é o nosso Ser mais Íntimo e divino, no âmago do que Somos. Se falarmos em linguagem mística, enquanto não se tiver o conhecimento directo ou o êxtase revelador.
-       Como cada ser tem a sua própria interioridade, a sua Via é única e velada a outro entendimento que não o seu.
-       A terceira razão e não a menos válida é que, como é dita nas citações supra, a palavra não traduz a Realidade do Além. Como afirma Massignon o Além não precisa de frases.

Muitos são os estudiosos da misticismo e chegam a uma conclusão comum: não é o estudo que os faz conhecer os místicos, mas o contrário. Como diz Ghazzali, um sufi árabe no seu Mungidh sobre o que lhe foi possível saber do sufismo através do estudo e ensinamento oral: “Foi-me demonstrado que o seu (do sufismo) último termo não podia ser revelado pelo ensinamento, mas apenas pelo transporte, êxtase e transformação do ser moral... Definir o estado de inebriante é diferente de estar ébrio... Eu vi que o sufismo consiste mais em sentimentos do que definições, já sabia tudo o que o estudo me podia ensinar e o que me faltava era do domínio, já não do ensinamento, mas do êxtase e da iniciação. ... Quando se chega a este estado, devemos limitar-nos a repetir este verso:

“O que sinto não tentarei dizê-lo”.

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