(Foto: José Cavalheiro: Igreja de Chança) |
Ainda hoje não sei
porque naquele dia resolvi entrar na igreja da aldeia!
Já a missa tinha
começado quando o impulso me arrastou para ouvir o Padre Rui, sentir a energia
do envolvimento e o aconchego do seu interior. Poucas foram as vezes, nestes
últimos vinte anos, que a minha devoção, me levara a participar no ritual da
missa. Agora, a minha vida está a mudar, estou a deixar de ser o habitante da
cidade e a regressar às origens de interiores menos habitados, mais calmos
depois de uma vida de correria e stress quase absoluto em algumas épocas. Mas
de facto, os hábitos comportamentais com que me tenho pautado ainda não mudaram
de todo, se é que vão algum dia mudar, se é que têm de mudar.
Mas entrei procurando
razões de reflexão e depois de olhar para a decoração da igreja, de reconhecer
o Santo Estêvão, de observar quadros pintados em madeira com muitos e muitos
anos onde a mensagem nos leva a glorificar o seu autor por, já naquele tempo
visionar assim, depois de ver as cores do interior da igreja e de as tentar
interpretar, depois de tudo isto, eu pousei no lugar e comecei a dar atenção
àquele homem novo, feito padre, vestido do seu sorriso de sempre, entusiasmado
em passarela da sua juventude, tentando lutar afincadamente contra a rotina dos
rituais e a monotonia das palavras e das leituras. Eu ali estava esperando o
que hoje o padre tinha para dizer, como o iria fazer. Não tinha em minha ideia
avaliar ou criticar, não, nada disso! Estava apenas expectante pois por norma
gosto de ouvir este padre falar, ele levanta o véu das interpretações que
entende e mostra-nos assim outra igreja mais interessante mais construtiva ou
até mesmo mais realista.
Hoje, falava dos dois
ladrões crucificados um de cada lado de Jesus Cristo, o bom e o mau ladrão,
como costumamos dizer, o humilde e o arrogante, a luz e o escuro. Em suma, na
dualidade que sempre nos acompanha onde nós somos ambos os ladrões, com um
pouco de um e um pouco de outro.
Ambos habitam cada ser e
no meio, Jesus de braços abertos quase tocando nos dois. Ali estava Ele coberto
de sangue, com chagas feitas por nós, mesmo hoje dois mil anos depois.
Perceber-se que esta crucificação foi o culminar máximo e o grito desesperado
de uma mensagem que Jesus de Nazaré tinha como missão nos transmitir, logo que
Ele próprio aceitou ser o Cristo.
E ali, no fundo da
igreja, eu revivi aquele dia; estava calor, o sol trazia muitas moscas que,
acompanhando os rebanhos se faziam transportar para as feridas dos três
crucificados. Após este diálogo de provocação com o mau ladrão e de humildade
com o bom ladrão, o céu cobriu-se de pesadas nuvens, negras como dor, muito
silenciosas, que engravidavam a tempestade nesse silêncio. O vento acordou
quente, assobiando mandado por alguém e no último grito, uma faísca, um trovão
e então a tempestade chorou Cristo.
Eu estava lá, num canto
sem me querer envolver, eu vi tudo, foi assim. Chorei de arrependimento mais
uma vez, tinha construído pensamentos negativos de desprezo pela Sua palavra
mas um dia os nossos caminhos cruzaram-se e olhei Seus olhos, foi então que
notei! Ele sabia tudo! Mas no lugar de altivez, aquele homem mostrou-me Amor, o
Amor incondicional, aquele sem dualidade, onde todos os atributos lhe estão
contidos, felicidade, bem-aventurança, humildade, bondade, alegria, entrega,
paz, sobretudo Paz, era o Amor de Deus, Amor indescritível que apenas poderia
ser sentido no nosso interior e esse foi o melhor momento da minha existência.
E ali dentro daquela
pequena igreja voltei a chorar, lágrimas corriam sem meu controlo, era a emoção
da lembrança, a recordação do dia.
Ao longe o soldado
dava-lhe o último golpe, eu pedia-lhe que o perdoasse como me perdoou a mim, ao
longe eu sofria a cena que jamais esqueceria e na despedida uma frase cruzou-me
a garganta em saída espontânea.
- Lembra-te de mim…
Bem-haja Padre Rui.
José Cavalheiro
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