Pela beleza, pelas questões que poderá levantar - pois este espaço também é para questionar - e pela temática, deixamo-vos a leitura.
Miudinha era seu nome, a menina
que parecia feita de membrana de vidro, muito fininha.
Era Miudinha fininha como
cristal, sensível como pena d’águia.
Um dia, vi Miudinha chorar,
chorar tanto que soluçava o próprio Universo. Depois reparei melhor, não era
Miudinha que chorava, ela não conhecia tal, era sua alma que chorava e nesse
seu intenso chorar, suas janelas se vertiam em cataratas de mar. Miudinha
sofria pela dor do Mundo, Miudinha sofria pela alegria do Mundo, Miudinha
sofria até pela graça de estar feliz, assim, enfim, intensa, sensível, frágil.
Mas era no espelho que Miudinha
se olhava e nele também se desencontrava, Miudinha se achava pequenina,
miudinha. Ali se desprezava de si mesma, sem ver valor, o mesmo que nunca lhe
fora mostrado em espelho algum encontrado.
Um terço era rezado quando sua
mãe lhe pedia, era o ritual dos tempos e Miudinha cumpria copiando cada sílaba
cantando em verso solto, o terço corrido a seu gosto, mas no balanço do rito,
na melodia da oração, Miudinha fazia em devoção, o seu secreto pedido, era
profunda de seu coração terno e meigo, Miudinha assim chorava.
Segredou-me um dia Miudinha.
- Sabes, eu rezo o terço e peço
sempre a Deus que ajude o diabo, coitadinho, ninguém se lembra dele, coitadinho,
tenho tanta pena dele, segredava-me limpando com as costas da mão, doces gotas
que se vertiam dos cantos das suas janelas. A mesma Miudinha que, coitadinha, sofria o seu chorar porque o espelho sempre de valores a despediu.
Estaquei em plexo pensamento, a
honra caiu-me toda no cabide de meu pequeno corpo, eu não tinha ombros para
tanto peso, tamanho segredo! Foi em união de alma que Miudinha me confessou caí
de joelhos aos pés de tão grande Ser! Como poderia uma Miudinha tão frágil ter
um coração tão grande assim?
Então percebi no aperto do meu
coração que tamanha Grandeza transportada por Miudinha, era desconhecida de
espelhos que poluíam o seu imaginário. Dentro do seu Ser estava Valor sem
medida porque lá, as balanças não têm braços, o tempo não tem tempo e a palavra
não tem lugar.
Olhei seus pés, eles eram a
palavra da sua alma e, sem conseguir conter emoção, sujei-os com lágrimas do
meu coração.
Bem hajas Miudinha
José Cavalheiro
3 comentários:
Obrigada por este texto cuja linguagem é tão bela.
"Romanticamente" enche-nos o coração de emoção uma Menina, pura e inocente, que reza pelo Diabo. Todavia, como duvido das emoções à flor da pele....
O Diabo é a figura arquetipal do mal, ódio, trevas, etc. Quando se ora por Ele não se estará a rezar pela continuação daquilo que o Diabo representa?
Esta é a primeira questão que se me levanta com este texto.
Depois, dado que este plano é dual, é composto por duas polaridades, sendo o Diabo o representante de Uma delas. Nós, pessoas, viajamos entre uma e outra, na busca da Perfeição.
Assim sendo, será possível e útil orar por uma das polaridades? Poderíamos orar por uma entidade divina de Luz? ou recorreríamos a Ela?
Fica então a pergunta base: não será por orgulho nosso que pretendemos "a transformação" de uma energia criada pela Perfeição? Duvidamos então da Sabedoria divina... ou então cremo-no-nos tão perfeitos e poderosos que pensamos que nunca deveria existir o que foi criado pela Divina Inteligência.....
São só perguntas um tanto ou quanto loucas....
Peço desculpa por um comentário tão longo.
Bem-hajas!
Parabéns,adorei o texto,é de uma beleza ímpar.Poderá ser polémico ou não dependendo da forma como vestimos tudo o que nos foi dado durante a nossa existência.Eu também me esqueci de rezar ao Diabo,coitadinho.É claro que esta "criatura" precisa que se lhe reze,então pedimos só pelos "BONS" e os "MAUS"?Vamos abandona-los ou converte-los?Se os abandonar não estaremos nós a assumir o papel de DIABO também?Todos nós temos um bocadinho de diabinho e não há quem reze por nós?Vamos lá rezar ao "Diabo" para que haja PAZ NO MUNDO!
Gosto da beleza do Texto e entendo a Miudinha... maria josé.
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