Trabalho desenvolvido por Ernesto Henriques, no âmbito da Meditação do dia 15 Outubro.
Poderia começar este tema por uma dissertação sobre a reencarnação
e as vidas passadas. Poderíamos partir do princípio que os nossos traumas e
bloqueios se foram acumulando ao longo dessas vidas e que estaríamos num
processo de consciencialização, de harmonização e de limpeza esotérica, a fim
de nos libertarmos deles, até atingirmos o equilíbrio e a perfeição.
Embora polémico, poderia ser interessante. No entanto, não vou
por esse caminho. Vou-me limitar à vida presente, desde o nascimento até à
morte.
Segundo a Grande Enciclopédia Larousse Cultural, por definição, “medo
é o sentimento de inquietação e de apreensão em face de um perigo real ou
imaginário”.
Há muitas definições de medo, mas, no geral, apontam todas para
receio, temor, horror, pavor, pânico, fobia diante de um risco mais ou menos
grave, que afecta a nossa estabilidade psíquica e física.
O
medo é uma emoção intrínseca ao ser humano. O feto humano já reage com contracções
quando estimulado no útero materno e podemos chamar a esse comportamento medo.
E qual será a intensidade de medo no acto de nascer?
Sempre
que sentimos medo o nosso organismo apresenta reacções características desse sentimento,
preparando o indivíduo para a luta, ou para a fuga. Dependendo do grau, podemos
ter uma paralisação momentânea das funções cardíaca e respiratória. A seguir o
coração dispara e a respiração acelera. Sobrevém a palidez que é proveniente da
retirada do sangue dos vasos periféricos. O suor pode inundar a pele. Cessam as
actividades motrizes do estômago. A secreção gástrica fica paralisada e
relaxam-se todas a fibras musculares lisas em toda a extensão do tubo
digestivo. Os vasos sanguíneos contraem-se. Há uma abundante liberação de adrenalina
na corrente sanguínea, a qual, sendo um estimulante natural, prepara-nos para
enfrentar a situação de perigo ou alerta.
Em psicanálise,
medo é angústia, portanto o medo assume diversas nuances, dependendo das ameaças
que se apresentam, internas ou externas.
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(Eduardo Kingman) |
Podemos,
assim, definir vários tipos de medos:
1 – Medos amigos:
são
os ditados pela prudência e basicamente são por eles que os seres vivos mantêm
a sua integridade. Instintivamente procura-se evitar os actos de consequências
prejudiciais.
Exemplos:
- quando, num combate, estamos em
desvantagem e fugimos de alguém mais forte, dizemos, enfaticamente, que não é
por “cobardia”, mas por prudência, pelo instinto de conservação;
-
não brincar à beira de um precipício;
-
não ultrapassar numa curva.
2 –
Medos inimigos:
são
os que causam prejuízos ao ser humano, não por acção, mas por inacção, ou por
indecisão.
Exemplos:
-
medo de mudanças, de alterar hábitos ;
-
medo de mudar de lugar, de objectos, de pessoas;
-
medo de assumir responsabilidades, quer sejam familiares, profissionais ou
sociais.
3 –
Medos irracionais:
são aqueles sentimentos que bloqueiam o
raciocínio e se fundamentam em bases que contrariam o bom senso e impedem a
pessoa de se comportar de uma maneira lógica. Uns podem ter alguma raiz de
verdade, outros são absolutamente infundados.
Exemplos:
-
medo de ir ao dentista;
-
medo de estar no meio de uma multidão de pessoas;
-
medo de andar a ser perseguido por um lobisomem.
4 –
Medos reais:
são os que se seguem após traumas.
Portanto, alguns medos reais existem. Mas existe muito mais medo de hipóteses e
que são as que mais nos paralisam. Aqui só há uma solução: agir.
Exemplos:
-
medo de ser assaltado, após ter sido vítima de um assalto;
-
medo de um exame, porque já se reprovou anteriormente;
-
medo de falar em público, por já ter sido ridicularizado.
Geralmente
estes medos transformam-se em manias, daí em fobias, depois em neuroses,
podendo evoluir para psicoses!
(A
neurose é um transtorno mental, que embora cause tensão, não interfere com o
pensamento racional. Já na psicose o paciente tem um problema mental muito grave,
perde o sentido da realidade e a sua personalidade encontra-se desorganizada,
como acontece, por exemplo, na esquizofrenia).
5 –
Medos imaginários:
são
os falsos sentimentos, pois ainda não aconteceram, mas já vivem na mente, como
se fossem reais. É o mais prejudicial dos medos. Porquê ter medo de algo que
ainda não aconteceu?
É
o bicho papão de criança e que se prolonga pela vida adulta.
Este
medo não distingue o que existe do que é pura imaginação. Ele engana-nos.
São
os monstros assustadores das crianças que ganham vida e parecem permanecer no
nosso subconsciente, ao longo da nossa existência.
Exemplos:
-
um jovem que sofre, antecipadamente, a angústia de não ser capaz de arranjar
uma namorada;
-
a convicção de que não se é capaz de tirar um curso;
-
medo de um ataque terrorista;
-
a obsessão doentia de que se tem determinada doença, sem prova efectiva que ela
exista.
6 – Síndrome
do pânico:
A
expressão é originária de Pan, deus grego, tocador de flauta, que aterrorizava
os camponeses com os seu chifres e pés equinos. Os pacientes que apresentam
esta síndrome sofrem intensamente, com graves sintomas, que vão da angústia a
palpitações, sudoreses, tremores, falta de ar, náuseas, medo da loucura e medo
extremo com sensação de morte.
O
transtorno do pânico é definido como crises recorrentes de forte ansiedade ou
medo. As crises de pânicos são intensas, repentinas e inesperadas, que provocam
nas pessoas sensação de mal-estar físico e mental, juntamente a um
comportamento de fuga do local onde se encontra, seja indo para um pronto-socorro,
seja buscando ajuda de quem está próximo. A reacção de pânico é uma reacção
natural, quando existe uma situação que favoreça o seu surgimento.
É
um sentimento esmagador de medo e ansiedade. Mas é também um sistema de defesa normal
e útil para a auto-preservação. Aqueles que fogem mais rapidamente do perigo de
morte têm mais probabilidades de sobreviver.
Felizmente
a maioria das pessoas não têm o que se chama “Síndrome do Pânico”, mas sim “apenas”
“Ataques de Pânico”.
Exemplos:
-
estar num local fechado, onde começa um incêndio;
-
estar a afogar-se, ou em qualquer situação eminente de perigo de morte.
7 -Fobia:
É
o termo utilizado para temor ou aversão excessiva ante situações, objectos,
animais ou lugares e que só se manifestam em situações particulares.
Na
fobia, normalmente, o paciente reconhece seu medo irracional, mas sente-se
impulsionado a evitar o contacto com o objecto fóbico e é invadido por uma
intensa ansiedade, apresentando fortes manifestações somáticas, tais como:
palpitação, taquicardia, falta de ar, etc.
A
fobia é acompanhada de um medo exagerado e persistente – mórbido – que não tem
limites em relação às causas que o produzem. O exército de medos nesse patamar é
quase ilimitado. Pela psicanálise concluímos que a maioria das fobias reflecte
um perigo simbólico, cujo objecto exacto se esconde no subconsciente, como
defesa subjectiva, derivando de um facto real para um perigo imaginário.
Quando
tememos um rato, ou uma aranha, o que projecta o nosso inconsciente? Que
colosso nos ameaça? O que representa realmente essa imagem e que tanta angústia
nos causa?
Exemplos
de fobias:
-
de andar de avião;
-
do escuro;
-
das alturas;
-
de animais e insectos
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(Gustavo Poblete) |
Vencer
os medos
É
possível viver sem medos? É possível vencê-los? Têm cura?
Como
se depreende, a descrição atrás referida está, apenas, separada em alíneas por
uma questão metodológica. Na prática os aspectos podem interagir e proporcionar,
em muitos casos, uma amálgama complicada e até explosiva.
Em
primeiro lugar direi que o grande problema não é o medo, mas o saber administrá-lo.
Não há nada de errado em sentir medo. Trata-se, aliás, de um sentimento
fundamental na vida do ser humano. O problema está quando se torna exagerado e
vem associado a outros factores como insegurança, baixa auto-estima e depressão.
Depois
há que tomar consciência dos nossos medos, temores e fobias. É o passo
essencial para o autocontrole, para preparar a nossa mente para a melhoria, para
a cura, ou, pelo menos, para saber viver com eles o mais harmoniosamente possível.
É
preciso ter coragem suficiente para “olhar para dentro” e encarar os nossos medos
sem reservas, analisando a natureza de cada um deles.
Para
um medo ser identificado torna-se necessário compreender como ele se instalou,
como apareceu: quando, como e porquê.
O
medo pode e deve ser trabalhado para se tornar um incomparável instrumento de
equilíbrio do nosso dia-a-dia.
Não
conseguindo dominá-lo racionalmente, deverá procurar-se aconselhamento.
E,
provavelmente, em muitos casos a possibilidade de êxito é recorrendo a ajuda
externa, como um terapeuta, um psicólogo, um psiquiatra, etc. A psicanálise e a
hipnose são também métodos que podem ajudar a descodificar esses medos, os
quais podem ter origem real ou imaginária. E a razão é simples: como estamos
obcecados e sem discernimento, não sabemos, ou não queremos fazer uma análise objectiva
às suas causas. Além disso, como a maior parte delas estão no subconsciente, ou
inconsciente, o consciente recusa-se a proceder a uma introspecção por receio,
por auto-comiseração, ou outra causa qualquer. Assim uma entidade exterior pode
ajudar a obter um resultado positivo, do qual, por medo, pretendemos fugir.
Mas
uma vez tomada consciência da sua origem, há fortes probabilidades de
ultrapassar o problema.
Não
podemos, também, esquecer uma ajuda medicamentosa: antidepressivos e ansiolíticos.
Pelo menos numa primeira fase podem auxiliar o paciente, predispondo-o a
ultrapassar os seus medos e ansiedades.
Há,
igualmente, maneiras e técnicas mais tradicionais, que podem auxiliar uma
pessoa a sublimar os seus medos. O yoga e a meditação são dois bons exemplos.
Mas
temos que estar cientes que não é nada fácil vencer e ultrapassar os nossos
medos, sobretudo os mais complexos. Mas sem esforço e vontade nada se consegue.
E
qual é a desculpa para não tentarmos?
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(Rembrandt) |
O
medo da morte:
Transcrevo
uma frase do poeta brasileiro Drummond de Andrade, por me parecer curiosa: “Existe
o medo do medo e o medo de depois do medo, existe o medo do que existe e o medo
do que já não existe, existe o medo da morte e o medo de depois da morte,
quando, então, morreremos de medo”.
Julgo
que o maior medo do ser humano é a morte. Este estigma persegue-o toda a sua
vida, consciente, ou inconscientemente.
Procura-se
não pensar nesta fatalidade, que nos massacra, com maior ou menor intensidade.
Mas o desaparecimento físico de um familiar, de um amigo, de um animal de
estimação, etc. e que tanta dor nos provoca, está sempre a lembrar-nos desta
realidade.
Perante
a inevitabilidade da morte, teremos uma das seguintes atitudes:
- ou achamos que tudo acaba com a morte física, que o corpo se desfaz e nada
mais resta;
- ou acreditamos que há em nós um espírito e que ele continua a existir,
mesmo depois de se libertar do invólucro, que é o corpo físico.
E
perante essa resposta, teremos o consequente resultado:
-
para o não crente, ou materialista, tudo acaba com a morte; não há esperança;
-
para o crente, ou espiritualista, que acredita num SER SUPREMO, que chamamos
DEUS, ou outro nome com o mesmo sentido, há a esperança do regresso ao seio
desse SER, que nos criou e que espera o nosso retorno, ELE que é fonte de LUZ,
AMOR e ETERNIDADE.
Mesmo
aos que têm fé em DEUS, a morte inspira medo. Porque a morte significa sempre despedida
e separação. Nenhum crente deve envergonhar-se do seu medo. E se temos fé na
misericórdia e no amor de Deus, acreditamos que a morte marca o fim da vida
terrena e o começo da vida eterna.
Por
isso, há que agradecer o dom da vida, o gosto e o prazer de viver, o amar e o
ser amado, na certeza que, no espírito, somos imortais.
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(Baglione: Vitória do Amor sagrado sobre o profano) |
E,
então, faz-se a pergunta obrigatória: a fé será um dom, uma graça, ou uma
cobardia?
A
resposta só cada um a pode dar.
A
minha é de um crente, no esforço diário de crescimento espiritual. Se eu
tivesse fé como um grão de mostarda, já teria vencido este medo. Já teria aceitado
com naturalidade que o meu corpo é pó e ao pó vai voltar. Mas que o meu espírito
continuará vivo, pois está destinado à felicidade e não à aniquilação. E que
ando neste mundo a purificar-me, para ir ao encontro definitivo com o PAI.
Na
Páscoa celebra-se a Ressurreição de Cristo e, portanto, a vitória da vida sobre
a morte. Porque não sou coerente com o que digo acreditar?
E,
para terminar, atrevo-me a dizer que não há ateus. Só por medo, ou distracção
ainda não tomaram consciência da necessidade de subir a Montanha.