domingo, 16 de outubro de 2011

Os Medos


Trabalho desenvolvido por Ernesto Henriques, no âmbito da Meditação do dia 15 Outubro.




Poderia começar este tema por uma dissertação sobre a reencarnação e as vidas passadas. Poderíamos partir do princípio que os nossos traumas e bloqueios se foram acumulando ao longo dessas vidas e que estaríamos num processo de consciencialização, de harmonização e de limpeza esotérica, a fim de nos libertarmos deles, até atingirmos o equilíbrio e a perfeição.

Embora polémico, poderia ser interessante. No entanto, não vou por esse caminho. Vou-me limitar à vida presente, desde o nascimento até à morte.

Segundo a Grande Enciclopédia Larousse Cultural, por definição, “medo é o sentimento de inquietação e de apreensão em face de um perigo real ou imaginário”.

Há muitas definições de medo, mas, no geral, apontam todas para receio, temor, horror, pavor, pânico, fobia diante de um risco mais ou menos grave, que afecta a nossa estabilidade psíquica e física.

O medo é uma emoção intrínseca ao ser humano. O feto humano já reage com contracções quando estimulado no útero materno e podemos chamar a esse comportamento medo. E qual será a intensidade de medo no acto de nascer?

Sempre que sentimos medo o nosso organismo apresenta reacções características desse sentimento, preparando o indivíduo para a luta, ou para a fuga. Dependendo do grau, podemos ter uma paralisação momentânea das funções cardíaca e respiratória. A seguir o coração dispara e a respiração acelera. Sobrevém a palidez que é proveniente da retirada do sangue dos vasos periféricos. O suor pode inundar a pele. Cessam as actividades motrizes do estômago. A secreção gástrica fica paralisada e relaxam-se todas a fibras musculares lisas em toda a extensão do tubo digestivo. Os vasos sanguíneos contraem-se. Há uma abundante liberação de adrenalina na corrente sanguínea, a qual, sendo um estimulante natural, prepara-nos para enfrentar a situação de perigo ou alerta.

Em psicanálise, medo é angústia, portanto o medo assume diversas nuances, dependendo das ameaças que se apresentam, internas ou externas.
(Eduardo Kingman)

Podemos, assim, definir vários tipos de medos:

1 – Medos amigos:
são os ditados pela prudência e basicamente são por eles que os seres vivos mantêm a sua integridade. Instintivamente procura-se evitar os actos de consequências prejudiciais.
 Exemplos:
 - quando, num combate, estamos em desvantagem e fugimos de alguém mais forte, dizemos, enfaticamente, que não é por “cobardia”, mas por prudência, pelo instinto de conservação;
- não brincar à beira de um precipício;
- não ultrapassar numa curva.

2 – Medos inimigos:
são os que causam prejuízos ao ser humano, não por acção, mas por inacção, ou por indecisão.
Exemplos:
- medo de mudanças, de alterar hábitos ;
- medo de mudar de lugar, de objectos, de pessoas;
- medo de assumir responsabilidades, quer sejam familiares, profissionais ou sociais.

3 – Medos irracionais:
 são aqueles sentimentos que bloqueiam o raciocínio e se fundamentam em bases que contrariam o bom senso e impedem a pessoa de se comportar de uma maneira lógica. Uns podem ter alguma raiz de verdade, outros são absolutamente infundados.
Exemplos:
- medo de ir ao dentista;
- medo de estar no meio de uma multidão de pessoas;
- medo de andar a ser perseguido por um lobisomem.

4 – Medos reais:
 são os que se seguem após traumas. Portanto, alguns medos reais existem. Mas existe muito mais medo de hipóteses e que são as que mais nos paralisam. Aqui só há uma solução: agir.
Exemplos:
- medo de ser assaltado, após ter sido vítima de um assalto;
- medo de um exame, porque já se reprovou anteriormente;
- medo de falar em público, por já ter sido ridicularizado.
Geralmente estes medos transformam-se em manias, daí em fobias, depois em neuroses, podendo evoluir para psicoses!
(A neurose é um transtorno mental, que embora cause tensão, não interfere com o pensamento racional. Já na psicose o paciente tem um problema mental muito grave, perde o sentido da realidade e a sua personalidade encontra-se desorganizada, como acontece, por exemplo, na esquizofrenia).

5 – Medos imaginários:
são os falsos sentimentos, pois ainda não aconteceram, mas já vivem na mente, como se fossem reais. É o mais prejudicial dos medos. Porquê ter medo de algo que ainda não aconteceu?
É o bicho papão de criança e que se prolonga pela vida adulta.
Este medo não distingue o que existe do que é pura imaginação. Ele engana-nos.
São os monstros assustadores das crianças que ganham vida e parecem permanecer no nosso subconsciente, ao longo da nossa existência.
Exemplos:
- um jovem que sofre, antecipadamente, a angústia de não ser capaz de arranjar uma namorada;
- a convicção de que não se é capaz de tirar um curso;
- medo de um ataque terrorista;
- a obsessão doentia de que se tem determinada doença, sem prova efectiva que ela exista.

6 – Síndrome do pânico:
A expressão é originária de Pan, deus grego, tocador de flauta, que aterrorizava os camponeses com os seu chifres e pés equinos. Os pacientes que apresentam esta síndrome sofrem intensamente, com graves sintomas, que vão da angústia a palpitações, sudoreses, tremores, falta de ar, náuseas, medo da loucura e medo extremo com sensação de morte.
O transtorno do pânico é definido como crises recorrentes de forte ansiedade ou medo. As crises de pânicos são intensas, repentinas e inesperadas, que provocam nas pessoas sensação de mal-estar físico e mental, juntamente a um comportamento de fuga do local onde se encontra, seja indo para um pronto-socorro, seja buscando ajuda de quem está próximo. A reacção de pânico é uma reacção natural, quando existe uma situação que favoreça o seu surgimento.
É um sentimento esmagador de medo e ansiedade. Mas é também um sistema de defesa normal e útil para a auto-preservação. Aqueles que fogem mais rapidamente do perigo de morte têm mais probabilidades de sobreviver.
Felizmente a maioria das pessoas não têm o que se chama “Síndrome do Pânico”, mas sim “apenas” “Ataques de Pânico”.
Exemplos:
- estar num local fechado, onde começa um incêndio;
- estar a afogar-se, ou em qualquer situação eminente de perigo de morte.

7 -Fobia:
É o termo utilizado para temor ou aversão excessiva ante situações, objectos, animais ou lugares e que só se manifestam em situações particulares.
Na fobia, normalmente, o paciente reconhece seu medo irracional, mas sente-se impulsionado a evitar o contacto com o objecto fóbico e é invadido por uma intensa ansiedade, apresentando fortes manifestações somáticas, tais como: palpitação, taquicardia, falta de ar, etc.
A fobia é acompanhada de um medo exagerado e persistente – mórbido – que não tem limites em relação às causas que o produzem. O exército de medos nesse patamar é quase ilimitado. Pela psicanálise concluímos que a maioria das fobias reflecte um perigo simbólico, cujo objecto exacto se esconde no subconsciente, como defesa subjectiva, derivando de um facto real para um perigo imaginário.
Quando tememos um rato, ou uma aranha, o que projecta o nosso inconsciente? Que colosso nos ameaça? O que representa realmente essa imagem e que tanta angústia nos causa?
Exemplos de fobias:
- de andar de avião;
- do escuro;
- das alturas;
- de animais e insectos


(Gustavo Poblete)



Vencer os medos

É possível viver sem medos? É possível vencê-los? Têm cura?
Como se depreende, a descrição atrás referida está, apenas, separada em alíneas por uma questão metodológica. Na prática os aspectos podem interagir e proporcionar, em muitos casos, uma amálgama complicada e até explosiva.

Em primeiro lugar direi que o grande problema não é o medo, mas o saber administrá-lo. Não há nada de errado em sentir medo. Trata-se, aliás, de um sentimento fundamental na vida do ser humano. O problema está quando se torna exagerado e vem associado a outros factores como insegurança, baixa auto-estima e depressão.

Depois há que tomar consciência dos nossos medos, temores e fobias. É o passo essencial para o autocontrole, para preparar a nossa mente para a melhoria, para a cura, ou, pelo menos, para saber viver com eles o mais harmoniosamente possível.

É preciso ter coragem suficiente para “olhar para dentro” e encarar os nossos medos sem reservas, analisando a natureza de cada um deles.

Para um medo ser identificado torna-se necessário compreender como ele se instalou, como apareceu: quando, como e porquê.

O medo pode e deve ser trabalhado para se tornar um incomparável instrumento de equilíbrio do nosso dia-a-dia.

Não conseguindo dominá-lo racionalmente, deverá procurar-se aconselhamento.

E, provavelmente, em muitos casos a possibilidade de êxito é recorrendo a ajuda externa, como um terapeuta, um psicólogo, um psiquiatra, etc. A psicanálise e a hipnose são também métodos que podem ajudar a descodificar esses medos, os quais podem ter origem real ou imaginária. E a razão é simples: como estamos obcecados e sem discernimento, não sabemos, ou não queremos fazer uma análise objectiva às suas causas. Além disso, como a maior parte delas estão no subconsciente, ou inconsciente, o consciente recusa-se a proceder a uma introspecção por receio, por auto-comiseração, ou outra causa qualquer. Assim uma entidade exterior pode ajudar a obter um resultado positivo, do qual, por medo, pretendemos fugir.

Mas uma vez tomada consciência da sua origem, há fortes probabilidades de ultrapassar o problema.
Não podemos, também, esquecer uma ajuda medicamentosa: antidepressivos e ansiolíticos. Pelo menos numa primeira fase podem auxiliar o paciente, predispondo-o a ultrapassar os seus medos e ansiedades.
Há, igualmente, maneiras e técnicas mais tradicionais, que podem auxiliar uma pessoa a sublimar os seus medos. O yoga e a meditação são dois bons exemplos.

Mas temos que estar cientes que não é nada fácil vencer e ultrapassar os nossos medos, sobretudo os mais complexos. Mas sem esforço e vontade nada se consegue.

E qual é a desculpa para não tentarmos?
(Rembrandt)



O medo da morte:

Transcrevo uma frase do poeta brasileiro Drummond de Andrade, por me parecer curiosa: “Existe o medo do medo e o medo de depois do medo, existe o medo do que existe e o medo do que já não existe, existe o medo da morte e o medo de depois da morte, quando, então, morreremos de medo”.

Julgo que o maior medo do ser humano é a morte. Este estigma persegue-o toda a sua vida, consciente, ou inconscientemente.

Procura-se não pensar nesta fatalidade, que nos massacra, com maior ou menor intensidade. Mas o desaparecimento físico de um familiar, de um amigo, de um animal de estimação, etc. e que tanta dor nos provoca, está sempre a lembrar-nos desta realidade.

Perante a inevitabilidade da morte, teremos uma das seguintes atitudes:

- ou achamos que  tudo acaba com a morte física, que o corpo se desfaz e nada mais resta;

- ou acreditamos  que há em nós um espírito e que ele continua a existir, mesmo depois de se libertar do invólucro, que é o corpo físico.

E perante essa resposta, teremos o consequente resultado:

- para o não crente, ou materialista, tudo acaba com a morte; não há esperança;

- para o crente, ou espiritualista, que acredita num SER SUPREMO, que chamamos DEUS, ou outro nome com o mesmo sentido, há a esperança do regresso ao seio desse SER, que nos criou e que espera o nosso retorno, ELE que é fonte de LUZ, AMOR e ETERNIDADE.

Mesmo aos que têm fé em DEUS, a morte inspira medo. Porque a morte significa sempre despedida e separação. Nenhum crente deve envergonhar-se do seu medo. E se temos fé na misericórdia e no amor de Deus, acreditamos que a morte marca o fim da vida terrena e o começo da vida eterna.

Por isso, há que agradecer o dom da vida, o gosto e o prazer de viver, o amar e o ser amado, na certeza que, no espírito, somos imortais.
(Baglione: Vitória do Amor sagrado sobre o profano)

E, então, faz-se a pergunta obrigatória: a fé será um dom, uma graça, ou uma cobardia?

A resposta só cada um a pode dar.

A minha é de um crente, no esforço diário de crescimento espiritual. Se eu tivesse fé como um grão de mostarda, já teria vencido este medo. Já teria aceitado com naturalidade que o meu corpo é pó e ao pó vai voltar. Mas que o meu espírito continuará vivo, pois está destinado à felicidade e não à aniquilação. E que ando neste mundo a purificar-me, para ir ao encontro definitivo com o PAI.

Na Páscoa celebra-se a Ressurreição de Cristo e, portanto, a vitória da vida sobre a morte. Porque não sou coerente com o que digo acreditar?

E, para terminar, atrevo-me a dizer que não há ateus. Só por medo, ou distracção ainda não tomaram consciência da necessidade de subir a Montanha.

2 comentários:

alice marques disse...

Obrigada, Ernesto, por nos ter "obrigado" a olhar o medo sem temor de nos assustarmos.
É bom o texto, foi boa a discussão-debate que se seguiu. Fica a janela aberta a enfrentarmos os medos que nos atam tantas vezes, que nos aprisionam a fantasmas passados ou futuros.... mas sempre fantasmas....
Não podemos confundir medo com premunição que nos pode assustar. São dores que avisam. Todavia, qualquer que seja o sofrimento não é fugindo que vencemos.
Uma boa semana a todos!

Jinhos fofinhos........

Raquel Silva disse...

Um abraço de agradecimento ao Ernesto pelo bom trabalho apresentado sobre " O MEDO".Afinal quem é que não tem medo?
Eu tenho!Quais?Áh bom,isso queriam voçês saber,nem pensem..!!
Pestes!Pestinhas!