Quem por nascimento e envolvimento sociocultural
teve na sua formação a influência judaico cristã ou mesmo predominantemente
católica, como acontece neste nosso país, não deve ou não pode ficar indiferente
ao que vê passar-se, quer pelo mundo quer no seu meio, sobre o papel de outras
ou novas religiões, e a assimilação de formas de culto ou diferentes conceitos
de doutrina ou “fé” que não era comum existirem.
Cabe assim a cada um procurar o conhecimento
sobre tais assuntos, como o faz noutras áreas do saber ou que se relacionam com
a sua vida, e buscar a reflexão sobre eles.
Encontra-se neste caso, o budismo que,
confinado à Ásia, tem vindo a expandir-se, sobretudo a partir dos finais do
século passado, por influência do movimento internacional de refugiados ou
imigração, estabelecendo noutras regiões do globo comunidades numerosas que
trouxeram consigo a sua cultura e a sua religião, assumindo assim um papel de
“nova” religião universal.
É em países da Ásia onde se encontram
mais seguidores do budismo como no Sri Lanka, Tailândia, Coreia, Japão e China,
entre outros.
Sobre o fundador desta religião, Buda, de
seu nome Sidharta Gautama, sabe-se que viveu no norte da Índia, no sexto século
AC, e que o conhecimento da sua vida, por não existir fonte de matéria do seu
tempo, “ baseia-se principalmente na
evidência dos textos canónicos… escritos em páli, uma língua da antiga Índia”.
A tradição budista entende que a seguir à
sua morte, se realizou um concílio de 500 monges, para determinar o autêntico
ensino do Mestre, sem todavia ter sido assente por escrito, mas sim memorizado
pelos discípulos, tendo a escrita efectiva dos textos sagrados ou
canónicos sido iniciada cerca de
500 anos depois, e mesmo outros relatos da sua vida somente apareceram mil anos
depois do seu tempo.
Estes factos, apreciados pelos
historiadores e peritos, determinaram o seguinte comentário no Dicionário de
Religiões Vivas: “ As “biografias” são
tão tardias em origem como repletas de matéria lendária e mítica, e os mais
antigos textos canónicos são produtos de um longo processo de transmissão oral
que evidentemente inclui revisões e muita adição”.
Em partes desses cânones, ocorrem
pormenorizados e longos relatos, tais como o da mãe do Buda, rainha Maha –Maia,
que veio a concebê-lo num sonho… como contou o sonho ao rei, seu marido, e este
convocou 64 eminentes sacerdotes hindus, e alimentando-os e vestindo-os, lhes
pediu uma interpretação que foi assente por escrito.
E daí ocorreu o incomum nascimento do
Buda num jardim de árvores–sal chamado Bosque Lumbini…. A rainha deitou mão a um
ramo da mais alta árvore-sal do bosque e segurando-o em pé deu à luz.
Há ainda histórias igualmente minuciosas
sobre a infância do Buda, os seus encontros com jovens admiradoras, as suas
peregrinações e praticamente todos os eventos da sua vida, não sendo de admirar
que a maioria dos peritos rejeite esses relatos como lendas e mitos.
Um texto moderno, publicado no Sri Lanka,
e amplamente difundido, “Manual do Budismo”,
fornece um relato tradicional simplificado da vida do Buda:
“No
dia de lua cheia de Maio do ano 623 AC nasceu no distrito de Nepal um príncipe
indiano saquiano, de nome Sidatha Gotama (transliteração do nome em páli). O
rei Sudodana era seu pai, e a rainha Maha-Maia era sua mãe. Ela morreu alguns
dias depois do nascimento da criança e Maha Pajapati Gotami
tornou-se sua mãe adoptiva”.
”Aos
16 anos de idade ele casou-se com a prima a bela princesa Iasodara”.
“Por
uns treze anos….levou uma vida de esplendor…”
“Com
a marcha do tempo, começou gradativamente a compreender a verdade. Em seu 29º
ano, que marcou o ponto de virada na sua carreira, nasceu o seu filho Rahula.
Ele considerou a sua prole como impedimento, pois entendeu que todos, sem excepção,
estavam sujeitos ao nascimento, à doença e à morte. Compreendendo assim a
universalidade da tristeza, ele decidiu descobrir uma panaceia para essa doença
universal da humanidade”
“Assim,
renunciando aos prazeres palacianos, deixou a casa certa noite…cortou o cabelo,
vestiu a roupa simples de um asceta, e saiu a peregrinar como Buscador da
Verdade”.
Desta forma, estes poucos detalhes
biográficos contrastam claramente com os relatos fantásticos encontrados nos
textos canónicos e com excepção do ano de seu nascimento, eles são comummente
aceites.
Mas como aconteceu a Iluminação ?
O “ponto
de viragem na sua carreira” como a biografia refere, dá-se quando pela
primeira vez na vida, ele vê um enfermo, um ancião e um cadáver, deixando-o
aflito em relação ao significado da vida, interrogando-se por que é que os
homens nascem, apenas para sofrer, envelhecer e morrer. Daí, viu um homem santo
que renunciara ao mundo em busca da verdade, impelindo-o a renunciar à família,
bens e nome principesco e passar os seis anos seguintes buscando a resposta de
mestres e gurus hindus, mas sem êxito, dedicando-se a um proceder de meditação,
jejum, yoga e extremo desprendimento, não obstante não ter encontrado nenhuma
paz ou iluminação espiritual.
Veio a perceber que este desprendimento
extremo era tão inútil quanto a vida faustosa que levara antes, adoptando um
estilo de vida que evitasse esses extremos, e a que chamou de Caminho Médio.
Continuando, sentou-se para meditar
debaixo de uma figueira dos pagodes indianos, decidindo que a resposta devia
ser encontrada na sua própria percepção, resistindo a ataques e tentações do
diabo Mara, firmando-se nesse seu propósito em meditação por quatro semanas (ou
sete segundo alguns), até que supostamente transcendeu todo o conhecimento e
entendimento e atingiu a iluminação.
Por esse processo, na terminologia
budista, Gautama tornou-se o Buda – o Despertado ou Iluminado.
Ele atingira o alvo derradeiro, o estado
de paz e iluminação perfeita, libertado do desejo e do sofrimento – o Nirvana.
Tornou-se conhecido como sábio da tribo
sáquia e não raro dirigia-se a si mesmo como Tatagata (um que veio ‘para
ensinar’).
Este evento da Iluminação impulsionou o
Buda a ensinar outros sobre a sua recém encontrada verdade, o seu dharma.
Na cidade de Benares proferiu o primeiro
e provavelmente mais importante sermão, a cinco bicus – discípulos ou monges. Ensinou que para se ser salvo, deve
evitar-se tanto o proceder de indulgência sensual como o do ascetismo, seguindo
o Caminho Médio, e observar as Quatro Nobres Verdade, que podem ser resumidas
de forma breve:
1- Toda a
existência é sofrimento.
2- O sofrimento vem
do desejo ou anseio.
3- A cessação do
desejo significa o fim do sofrimento.
4- Consegue-se a
cessação do desejo seguindo-se o Caminho Óctuplo, controlando a conduta, o pensamento
e a crença da pessoa.
Importa reter que este sermão sobre o
Caminho Médio e as Quatro Nobres Verdades constituem a essência da ILUMINAÇÃO e
é considerado o epítome de todo o ensino de Buda, não reivindicando inspiração
divina para o sermão, mas dando mérito a si próprio com as palavras “descoberto pelo Tatagata”.
Alega-se que o Buda, no seu leito de
morte, disse aos discípulos: “Buscai a
salvação apenas na verdade; não procureis ajuda de ninguém, excepto de vós
mesmos”. Assim, segundo o Buda, a iluminação vem, não de Deus, mas sim de
empenho pessoal em desenvolver raciocínio correcto e boas acções.
Naquela época, esse ensino foi bem
recebido na sociedade indiana, porquanto condenava as gananciosas e corruptas
práticas religiosas promovidas pelos brâmanes hindus, ou casta sacerdotal e
ainda o rígido ascetismo dos jainistas e outros cultos místicos. Acabou com os
sacrifícios e rituais, as miríades de deuses e deusas, e o fatigante sistema de
castas que dominava e escravizava todos os aspectos da vida das pessoas.
Em suma, prometia libertação a todos os
que se dispusessem a seguir o caminho do Buda.
E assim, o Buda e os cinco bicus saíram a pregar em toda a extensão
do vale do Ganges, e pessoas de todos os níveis e condições sociais tornaram-se
seus discípulos.
Cerca de 200 anos depois da morte de
Buda, o imperador da Índia Asoca adoptou o budismo e deu-lhe apoio estatal,
contribuindo desde então para sua ampliação e influência por todas as
regiões do sudeste asiático e
extremo oriente.
A história regista que o budismo veio
(virtualmente) a desaparecer nesse seu país de origem por volta do século XIII,
e já no século XX tanto na China, como no Tibete e outros países da região,
veio a sofrer sérios reveses por questões políticas, ao passo que nos países do
ocidente o conceito de buscar a “verdade” dentro da própria pessoa parece
exercer um amplo atractivo, e pela sua prática de meditação prover uma
alternativa ao estilo de vida agitada ocidental, lembrando aos “povos ocidentais a dimensão espiritual das
suas vidas”, conforme escreveu o exilado Dalai Lama do Tibete.
Embora seja costumeiro falar-se do
budismo como religião única, na realidade ele está dividido em várias escolas
do pensamento, baseadas em diferentes interpretações da natureza do Buda e dos
seus ensinos, cada qual tendo doutrinas próprias, práticas e escrituras, a que
acrescem as influências de culturas e tradições locais dos diversos países onde
se implantou, constituindo diversificados caminhos do budismo, com muitas
denominações e seitas. E todos afirmam basear as suas crenças e práticas nos
ensinos de Buda.
Armando Guedes
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