terça-feira, 8 de janeiro de 2013

À procura de entendimento sobre “encarnação” no budismo... Parte II







O Ciclo do Karma e do Samsara… ou da reflexão e entendimento sobre alguns ensinos no budismo


Os Três Cestos e outras Escrituras Budistas

Como os ensinos atribuídos ao Buda foram transmitidos pela palavra oral… são muito diversos e profundos os ensinos escritos existentes e aplicados por cada escola… contidos em milhares de volumes…sendo considerado que muitos desses tratados são altamente abstractos e consequentemente poucas pessoas conseguem compreender, razão que tem levado o budismo para bem longe do que o Buda originalmente intencionara. Muitos ensinos encontram-se registados em “Três Cestos” ou “Três Colecções” e tantos outros em textos em diversas línguas, e que assim são adoptados diferentemente, disputando-se a sua canonicidade, quanto à revelação do pensamentos de Buda.
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Embora o budismo até certo ponto libertasse as pessoas das amarras do hinduísmo, os seus conceitos fundamentais ainda são um legado dos ensinos hindus do karma e do Samsara. O budismo, conforme originalmente ensinado pelo Buda, difere do hinduísmo no sentido de que nega a existência de uma alma imortal, mas fala do indivíduo como sendo “ uma combinação de forças ou energias físicas e mentais”. Neste aspecto, doutrinas budistas, como a anata (não existe eu), negam a existência de uma alma imutável ou eterna. Contudo a maioria dos budistas hoje, particularmente os do extremo oriente, crêem na transmigração de uma alma imortal, como revela a sua prática de adoração de ancestrais e a crença no tormento, num inferno após a morte.
Os ensinos budistas ainda se centralizam nos conceitos de que toda a humanidade passa de vida em vida através de incontáveis renascimentos (Samsara) e sofre as consequências de acções passadas e presentes (karma). Ainda que a sua mensagem de iluminação e libertação desse ciclo possa parecer atraente, alguns perguntam-se: Que prova existe de que todos os sofrimentos são o resultado das acções da pessoa numa vida anterior? E, de facto, que evidência existe de que realmente há alguma vida anterior?

Certa explicação da lei do karma diz:
“O kama( (karma em páli) é uma lei em si mesmo. Mas isso não significa que deva existir um legislador. Leis comuns da natureza, como a gravidade, não necessitam de legislador. A lei do kama também não exige legislador. Ela opera em seu próprio campo sem a intervenção dum agente directivo externo, independente.” -(Manual do Budismo).

É esse um raciocínio sólido? Será que as leis da natureza realmente não necessitam de um legislador? O perito em foguetões Dr. von Braun, disse em certa ocasião: “As leis naturais do universo são tão precisas que não temos dificuldade alguma em construir uma nave espacial para voar à lua, e podemos cronometrar o voo com a precisão de uma fracção de segundo. Estas leis devem ter sido estabelecidas por alguém”. A Ciência reconhece a lei de causa e efeito. E um livro também muito conhecido - a Bíblia -  fala sobre essa lei, registando : “De Deus não se mofa. Pois, o que o homem semear, isso também ceifará.” Em vez de dizer que essa lei não requer legislador, ela destaca que “de Deus não se mofa”, indicando que essa lei foi posta em operação pelo seu Criador.
Além disso, ainda a Bíblia diz-nos que “o salário pago pelo pecado é a morte”, e que “aquele que morreu foi absolvido do seu pecado”. Até mesmo os tribunais de justiça reconhecem que ninguém deve sofrer dupla condenação por qualquer crime que cometa. Por que então, deveria a pessoa que já pagou pelos seus pecados, por morrer, renascer apenas para sofrer novamente as consequências de seus actos passados? Ademais, sem ter conhecimento dos seus actos passados pelas quais está sendo punida, como pode a pessoa arrepender-se e melhorar? Poderia isso ser considerado justiça? É coerente com a misericórdia, que, segundo se diz, é a mais notável qualidade do Buda?

Já quanto ao renascimento, o perito budista Dr. Walpola Rahula explica:
“Um ser nada é, senão uma combinação de forças ou energias físicas e mentais. O que chamamos morte é o total não funcionamento do corpo físico. Será que todas essas forças e energias cessam completamente com o não funcionamento do corpo? O budismo diz: ‘Não’. Vontade, desejo, ânsia de existir, de continuar, de tornar-se sempre mais importante, é uma tremenda força que move vidas inteiras, existências inteiras, que move até mesmo o mundo inteiro. Esta é a maior força, a maior energia do mundo. Segundo o budismo, essa força não cessa com o não funcionamento do corpo, que é a morte; mas continua a manifestar-se em outra forma, produzindo a reexistência, chamada renascimento”.

A ciência diz que no momento da concepção, a pessoa herda 50 por cento dos seus genes de cada um dos genitores. De modo que não existe maneira de ela poder ser cem por cento igual a alguém de uma existência anterior.
De facto, não é possível sustentar o processo de renascimento através de algum conhecido princípio de ciência. Não raro, os que crêem na doutrina do renascimento citam como prova as experiências de pessoas que afirmam lembrar-se de rostos, eventos e lugares que não conheciam antes. É isso lógico? Dizer que a pessoa que pode lembrar-se de coisas de tempos passados deve ter vivido naquela era, implica também dizer que a pessoa que pode predizer o futuro – e são muitas as que afirmam fazê-lo – devem ter vivido no futuro. O que, obviamente, não é o caso.

Nirvana – atingir o inatingível?

Buda deixou o seu ensino no que respeita a iluminação e salvação.
Em termos budistas, o conceito básico de salvação é a libertação das leis do karma e Samsara, bem como chegar ao Nirvana. E o que é o Nirvana? Os textos budistas dizem ser impossível descrever ou explicar, podendo apenas ser vivenciado. Não é um céu, para onde a pessoa vai após a morte, mas sim uma consecução que está ao alcance de todos, aqui e agora. Afirma-se que a própria palavra significa “apagar, extinguir”. Nesse sentido, alguns definem o Nirvana como a cessação de toda a paixão e desejo; uma existência isenta de todo sentimento sensorial, como a dor, o medo, a ansiedade, o amor ou o ódio um estado de eterna paz, descanso e imutabilidade. Essencialmente, diz-se ser a cessação da existência individual.

O Buda ensinou que a iluminação e a salvação – a perfeição do Nirvana – vêm, não de algum Deus ou força exterior, mas sim de dentro da pessoa através dos seus próprios empenhos em boas acções e pensamentos correctos. Isto suscita a pergunta: Pode algo perfeito vir de algo imperfeito? Não nos ensina a experiencia comum que ninguém é capaz de exercer controle total das suas acções mesmo nos simples assuntos do dia a dia? Não é lógico pensar se alguém poderia produzir sua salvação inteiramente sozinho? Como disse um profeta (Jeremias) “não é do homem terreno o seu caminho, não é do homem que anda o dirigir o seu passo.”
Assim como uma pessoa afundada na areia movediça provavelmente não sairá sozinha dali, toda a humanidade está presa na armadilha do pecado e da morte, e ninguém é capaz de se desembaraçar sozinho dessa dificuldade. Todavia Buda ensinou que a salvação depende unicamente dos empenhos da própria pessoa, conforme exortou na despedida aos seus discípulos.

A Enciclopédia de Crenças do Mundo observa que “o primitivo budismo aparentemente não levou em conta a questão de Deus, e certamente não ensinou nem exigiu a crença em Deus.”
Na sua essência, em cada pessoa procurar a salvação por si mesma, voltando-se para sua própria mente ou percepção em busca de iluminação, o budismo é realmente agnóstico, se não ateísta, ignorando o conceito fundamental de um Ser Supremo, por cuja vontade tudo existe e opera.

Armando Guedes


Alguma Bibliografia consultada:
-Religiões do Mundo -Da História antiga ao Presente
-Budismo Vivo
-Homem em busca de Deus
-O que é o budismo?



1 comentário:

André disse...

Excelente artigo, com a história do budismo clara e concisa, assim como as questões interessantes levantadas pelo autor.
Isso também me levantou algumas questões para as quais não tenho resposta cabal, mas deixo aqui as dúvidas no ar para deixar o pensamento e opinião de cada um fluir.

- Reencarnação:
Será possível afirmar com toda a convicção que alguém não poderá ter vivido no que para nós é passado ou futuro? Será o tempo algo tão linear e será este universo a única realidade em que podemos existir?

- Nirvana:
Será a existência individual definida pelas sensações e desejos? Se fecharmos os olhos e conseguirmos parar todos os nossos pensamentos nem que seja por 1 segundo e atingir um estado de paz, deixaremos de existir individualmente?

- Deus:
Existirá ou não Deus e é necessário para a nossa vida? A eterna polémica questão, talvez porque o conceito do que é Deus esteja muito para além da capacidade da nossa compreensão.
O que é Deus? Será que o conceito de Deus da actualidade terá ainda algumas semelhanças com o de há séculos atrás em que era encarado como um ser com forma humana e estaria num lugar chamado Céu rodeado de anjos e a observar-nos?
No meu entender, talvez um dia ateus e crentes cruzem os seus distintos caminhos e descubram a grandiosidade, perfeição e harmonia desse sublime conceito que é Uno e Indivisível e indescritível por palavras.

A título de curiosidade, apesar de, como é referido no artigo, não ser possível sustentar o renascimento através de um processo científico, é de salientar que houve um cientista de seu nome Ian Stevenson que se dedicou a estudar com rigor esse fenómeno de várias crianças com lembranças de vidas passadas, tendo no final chegado a conclusões interessantes. Talvez seja motivo para um artigo neste blog um dia mais tarde.