Dei
por mim a pensar no Natal, no seu simbolismo e na sua degradação.
Sendo
uma festa de origem pagã, em que era comemorado o solstício de Inverno, foi
depois apropriada pela Igreja Católica, associando-a ao nascimento de Jesus.
Na
origem pagã, o objectivo era apaziguar o sol, na esperança de boas colheitas.
Na
origem cristã o objectivo era a apresentação da esperança no Salvador, que nascendo
pobre, quis dar o exemplo para benefício de todos.
Nesta
festa de natal a comida e a bebida existiam em abundância em quase todos os
lares. É talvez associado a esta fartura que os não crentes também festejavam o
natal com grande entusiasmo.
Mas
não foi a origem desta festa que provocou em mim desassossego e revolta. Foi o
estado lastimoso e deturpado a que chegou esta festividade.
O
natal não pode ser confinado a um dia, ou a um curto período de tempo.
O
espírito original do natal tem de ser vivido diariamente.
Por
isso senti muito desassossego, porque o natal actual transformou-se no
anti-natal, numa mentira.
Este
desassossego tem a ver com tanta gente sem esperança, e sem amor.
Com
tanta gente a morrer literalmente de fome.
Um
desassossego pelo massacre dos inocentes, no ventre materno.
Um
desassossego pelas injustiças, pelas calúnias, pela destruição física e moral
do ser humano.
Um
desassossego pela destruição maciça e indiscriminada do planeta terra, dos
animais e plantas.
Um
desassossego pelo consumismo desenfreado e injustificado.
Um
desassossego pelo nosso sossego.
E
assim o natal passou a ser uma mentira.
Mentimos,
porque num dia ou num curto período de tempo queremos esquecer um ano. Fazemos
guerra, mas determinamos um período de tréguas, para recomeçar novamente e com
mais intensidade. E neste período só falamos em paz, mas sempre a pensar na
guerra.
Mentimos
quando transformamos esta época num momento de comes e bebes e de prendas.
Mentimos
quando maltratamos os nossos familiares, amigos ou colegas e, divertidamente,
desejamos-lhes um bom natal.
Mentimos
tanto, que já nem sabemos distinguir a verdade da mentira.
Isto
é natal?
Nisto
não acredito e rejeito liminarmente este natal.
Mas
recordei-me da criança que entrou em casa, dirigiu-se à mãe e ofereceu-lhe uma
prenda. Uma singela e pequena flor apanhada no muro. A mãe ficou emocionada com
a lembrança e beijou -a com muito amor e carinho. E colocou a florzinha num
copo com água, para que permanecesse viçosa.
À
noite, antes de adormecer, lembrou-se da rica prenda que recebera da inocente criança.
Sorriu de felicidade e duas sentidas lágrimas correram-lhe pela face. E disse
para consigo: que feliz dia de Natal tive hoje…
Neste
Natal de sossego e verdade, eu acredito!
Ernesto Henriques
4 comentários:
Um texto forte, que deixa marcas em quem o lê, mas tão verdadeiro! Obrigada pela sinceridade, pela força das palavrase pela coragem que é necessária para escrever assim.
Sim, Natal é nascimento que deveria ser quotidiano, no Ser, no dar, no caminhar.
A vida, quando vivida no sentido mais amplo do termo, quando temos a coragem de fazer perguntas, não é um desassossego?
Sim caímos na mentira para uma boa consciência de um dia.
Para mim Natal é interior, é cada passo na senda. A responsabilidade do caminhar? Minha, só minha, como sempre. Minha de cada respiração, cada palavra, cada acto, cada pensamento e ... de cada nascer.
Bem-haja Ernesto, não só pelo texto, mas também pela partilha.
Parabéns Ernesto.A força do sentir e dizer o que nos vai na alma é quanto basta para aqueles que nos queiram ouvir!A realidade é esta.Degradação dos valores que nos foi deixado pelos nossos antepassados.Mas estou convicta que tal como nós, outros partilham o mesmo espiríto de Natal,que é de facto e tal como disse a Alice"è o que está dentro de nós todos os dias" Este deveria ser o pensamento do ser humano.Vamos nós continuar esta nossa convicção,acredito que uma boa sementeira trás sempre uma boa colheita!Continuemos...
Ola a todos em especial ao Ernesto.
Quase chorei ao ler este texto...não está apenas um texto para reflexão, mas acima de tudo verdadeiro na sua totalidade.
Acuso-me em primeiro lugar, fui educada com o proposito de sentir o espirito natalicio na sua essencia, tento assim educar os meus filhos... Mas, pesa-me a culpa de tambem ajudar a sociedade de hoje a viver o natal de prendas e interesses... Quem não o faz?
Para compensar esta "nossa mentira", tento relembrar aos que comigo estão o que entendo pela verdade do NATAL, pela Grande festa da LUZ.
Um beijinho a todos.
Custa ver o estado degradado a que a nossa sociedade chegou. Mas é preciso que alguém de vez em quando nos faça ver a verdade nua e crua. Agradeço ao Ernesto por hoje ter sido esse alguém.
A semente foi lançada.
São fortes as palavras que usou.
Deixarão marcas de certeza e algo acordará em quem as lê.
Cabe agora a cada um transformar o seu coração numa terra fértil.
Beijos para todos e parabéns ao Sr. Cozido pelo seu texto.
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