Eu ia perguntar: O que acontece com as emoções positivas, como o amor e a alegria?
Elas
são inseparáveis do estado natural de conexão interior com o Ser. Sempre que houver um espaço no fluxo dos pensamentos, podem ocorrer lampejos de
amor e alegria, ou breves instantes de uma paz profunda. Para a maioria das
pessoas, tais espaços raramente acontecem, e mesmo assim por acaso, nas
ocasiões em que a mente fica “sem palavras”, instigada por uma beleza
estonteante, uma exaustão física extrema, ou mesmo um grande perigo. De repente
instala-se uma serenidade interior. E dentro dessa serenidade existe uma
alegria subtil, mas intensa, existe amor, existe paz.
...
Amor,
alegria e paz são estados profundos do Ser, ou melhor, três
aspectos do estado de ligação com o Ser. Assim, não possuem opositores pela
simples razão de que surgem por trás da mente. As emoções, por outro lado,
sendo uma parte da mente dualística, estão sujeitas à lei dos opostos. Isso
quer dizer, simplesmente, que não se pode ter o bom sem que haja o mau.
Portanto, numa condição não iluminada de identificação com a mente, aquilo que
algumas vezes é erroneamente chamado alegria é o lado geralmente breve do prazer,
dentro da alternância contínua do ciclo sofrimento/prazer. O prazer tem sempre origem
em alguma coisa externa a nós, ao passo que a alegria nasce do nosso interior.
A mesma coisa que proporciona prazer hoje provocará sofrimento amanhã,
ou abandonar-nos-á, e essa ausência causará sofrimento.
Do mesmo modo, o que se costuma chamar amor pode ser prazeroso e excitante por
um tempo, mas é um apego
adicional, uma condição de necessidade extrema, que se pode vir a transformar
no oposto, num piscar de olhos. Muitas relações
“amorosas”, passada a euforia inicial, oscilam entre o “amor” e o ódio, a atracção
e a agressão.
O amor verdadeiro não permite que se sofra. Como poderia? Não se
transforma em ódio de repente, assim como a verdadeira alegria não se transforma em
sofrimento. Antes de atingirmos a iluminação, antes mesmo de nos libertarmos das
nossas mentes, podemos ter lampejos de alegria autêntica, de um amor verdadeiro
ou de uma profunda paz interior, tranquila, mas intensamente viva. Esses são
aspectos da nossa verdadeira natureza, em geral obscurecida pela mente. Mesmo
dentro de uma relação “normal” de dependência, é possível haver momentos onde
podemos sentir a presença de algo genuíno, incorruptível. Mas serão somente
lampejos, a serem logo encobertos pela interferência da mente. Poderemos ficar
com a impressão de que tivemos alguma coisa muita valiosa, mas que se perdeu,
ou a mente pode convencer-nos de que tudo não passou de uma ilusão. A verdade é
que não foi uma ilusão e também não perdemos nada. Esse algo valioso é parte de
nosso estado natural – pode estar encoberto, mas nunca ser destruído pela
mente. Mesmo quando o céu está totalmente coberto, o sol não desapareceu. Ainda
está lá, por trás das nuvens.
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